sábado, abril 08, 2006

Arquitectura Vernácula - Aldeia da Lavandeira (Trás-os-Montes)

ESCOLA SUPERIOR ARTÍSTICA DO PORTO /CURSO SUPERIOR DE ARQUITECTURA /CONSTRUÇÃO I

ARQUITECTURA VERNÁCULA EM TRÁS-OS-MONTES, LAVANDEIRA

PORTO 2005


Introdução :
O objectivo primordial deste trabalho é a constatação e compreensão por parte dos alunos do conceito de Arquitectura Vernácula e tudo o que este suporta.
O nosso grupo de trabalho optou por fazer uma análise destas estruturas no nordeste português, mais precisamente a aldeia da Lavandeira situada no concelho de Carrazeda de Anciães, distrito de Bragança, tendo por base uma pesquisa bibliográfica e pela visita ao local.
A Lavandeira é profundamente caracterizada pela Arquitectura Vernácula, a qual aqui se tornou num dos mais significativos e relevantes aspectos da humanização da paisagem. Na sua grande diversidade de tipos, evidenciam-se numerosos condicionalismos fundamentais ligados às áreas e grupos humanos que a constroem e habitam.
Desta forma, é óbvio que este tipo de arquitectura se pode considerar um produto imediato das relações do homem com o meio natural que o rodeia.


Arquitectura Vernácula
A Arquitectura Vernácula remete-nos para um tipo de construção intimamente ligada ás actividades e características de determinada comunidade, tendo como base meios construtivos, materiais, costumes tradicionais e características geográficas da região.
Estas construções são parte de um processo de adaptação contínua da identidade de uma população ás respostas das suas necessidades. Assim, assume um carácter de sabedoria popular que sobrevive pela transmissão de conhecimentos de geração em geração, com raros recursos a registros escritos.
Com a crescente evolução económica e as constantes mutações dos grandes centros comercias e urbanos as construções vernáculas encontram-se hoje em dia, mais evidentes em meios rurais que sofreram pouca influência exterior. Estas áreas são habitadas fundamentalmente por populações envelhecidas que já pouco podem fazer para a sobrevivência destas estruturas, que se encontram na sua maioria ao abandono. Tem-se assistido, contudo, a algumas tentativas de reanimação desse espírito, com fins essencialmente turísticos sendo o nosso local de estudo, um desses muitos exemplos, onde as estruturas vernáculas se mantêm como principal testemunha da humanização/ocupação inicial de certas áreas, que se encontram hoje ao abandono.
Construções

Na generalidade, a casa típica da zona nordeste (que alberga o distrito de Bragança), é uma consequência de uma circunstância social, cultural e económica.
Sendo uma zona fundamentalmente rural, onde as comunidades vivem intensamente a ideia de “aldeia” e inter-ajuda, também as construções transmitem essa proximidade. “As casas agrupam-se em bloco compacto, vetustas, contíguas e quase misturadas umas nas outras, a emergir da rocha natural, à face dos rudes arruamentos da aldeia.”

Este género de estruturas apresenta-se em planta rectangular, de dois pisos, sustentados por um “aparelho de pedra”. Diferenciando-se como uma versão mais rude, arcaica e pobre da casa do noroeste, esta casa é composta por “dois pisos funcionalmente distintos”: o rés-do-chão térreo destinado à corte do gado e a parte superior (1º andar/piso) destinada à habitação. Era frequente também o aproveitamento dos declives do terreno para a estruturação dos dois pisos.
A evidência dos dois pisos levou necessariamente à construção de escadas (exteriores_ não havia, portanto ligação interior entre os dois pisos) que se apresentariam em granito, na fachada frontal, paralelas à construção. Estas escadas levariam, desde o piso térreo (rua) até a um género de patim em frente da entrada para o piso superior, criando por vezes um género de alpendre. Em algumas casas, de famílias mais abastadas, surgem mesmo algumas varandas .
As casas eram em pedra , sendo o granito material dominante, permitindo assim, em algumas situações, primores insuportáveis por outros materiais. As paredes exteriores e interiores consistiam em toscos muros de pedra solta, sem qualquer recurso a argamassa ou reboco. Encontram-se também situações onde as divisões interiores são feitas a partir de “estruturas precárias de madeira”, sem a utilização de qualquer acabamento.
As coberturas são actualmente de telha caleira, disposta em uma ou duas águas , tendo sido em tempos, utilizado o colmo. Assim se explica a existência de “capeados horizontais, (nos remates das paredes laterais), salientes na face exterior, que desempenha o papel de beiral e representa um sistema antigo de assentamento da palha”. Surgem raramente situações de duas águas. As telhas são convencionalmente assentes sobre uma estrutura de réguas de madeira.
As aberturas são raras. A porta é normalmente de um só batente e as janelas resumem -se a simples portadas de pau, sem qualquer vidraça. Que só vieram a ser usadas posteriormente.


Ao contrário da casa típica do nordeste transmontano ,a casa da Lavandeira apresenta-se como uma casa térrea, bem “agarrada ao chão”, que parte de uma planta quadrangular de pequenas dimensões e de apenas um compartimento, havendo normalmente divisórias feitas de tábuas, “isolando um ou outro recanto.”
A divisão de maiores dimensões (por onde era feita a entrada) era dedicada a funções como a alimentação (confeccionar e comer) e o aquecer junto à lareira. Sobre esta existia uma chaminé rudimentar, constituída por um simples buraco no telhado, rodeado superiormente por telhas ao alto e inclinadas de forma a encontrar os topos, saindo o fumo pelas duas extremidades.
Dominava sempre a simplicidade do traço, a míngua de conforto e de espaços privados, a companhia do frio e do vento, a pobreza e a escassez de móveis e de cheiro de civilização, era a constante comum ” . Aliás, esta situação neste tipo de estruturas surgiam como um reflexo da economia e actividades locais, (caracterizadora de uma classe trabalhadora pobre), bem como dos próprios recursos da zona.
Recursos, esses, que vão condicionar todo o tipo de construções. O solo rico em granito levava evidentemente à utilização deste material nas habitações. Nas suas construções. O granito aparece por todo o lado, nas ombreiras e padieiras das portas e janelas devido à sua maior resistência, dimensão e durabilidade. Quando não é possível arranjar granito, as padieiras de portas e janelas apresentam-se também em madeiras.
Desta forma, os blocos de granito são, substituídos por grossas tábuas ou barrotes de madeira. Contudo, as aberturas e elementos decorativos são escassos e de uma feição muito tosca. As portas são de madeira, de um único batente e sustentadas por duas ou mais dobradiças de ferro. Cada casa teria apenas uma porta, seguida por vezes por uma outra meia porta do lado exterior. As janelas eram constituídas por duas folhas, cada uma dividida em duas vidraças. Encontram-se também algumas situações em que as janelas são simplesmente “portadas de pau”.
Também característicos da zona são as “curraladas”/“lojas” laterais. Como são térreas, estas instalações encontram-se na continuidade da casa, adaptando-se a morfologia do terreno. Surgem consoante a necessidade de acolher animais e por vezes uma adega, servindo também para a recolha das alfaias agrícolas.
As coberturas das diversas construções são feitas de telhas caleiras, dispostas em uma ou duas águas. Normalmente, o telhado de uma água destina-se ás lojas e o de duas às habitações.
Devido a esta falta de planeamento, onde as construções vão aparecendo segunda as necessidades, uma vista geral das casas mostra-nos uma planta disposta de diferentes modos.
Esta região oferece pouca variedade quanto ao colorido das habitações e demais construções. Com efeito, as caiações resumem-se ás guarnições das portas e aos abrigos da entrada. As cores dominantes são as do granito amarelado ou cinzento, das caiações nas entradas e a cor alaranjada das telhas.
As ruas são estreitas e por vezes talhadas directamente nas rochas que formam o solo. Estas pequenas ruas dão serventia ás habitações sendo por isso regularmente percorridas pelo gado.
Nos socalcos da montanha, a necessidade sustentar as suas parcelas leva a que se construam contrafortes sob a forma de muros sendo estes, um acentuado de calhaus que as arestas cortantes do xisto pontilham de relevações e de tonalidades muito variadas. Acompanhando as curvas dos caminhos, ou cortando abruptamente quebras e esquinas, esses panos pintalgados, por vezes de alturas um pouco desconforme, são cortados em diagonal por uma série de blocos de granito salientes do muro que permite a passagem de uma parcela para outra.
Podemos então concluir que o património vernáculo é a expressão fundamental da identidade de uma comunidade, das suas relações com o território e, ao mesmo tempo, a expressão da diversidade cultural do mundo.
Este género de arquitectura nasce do “Povo e da Terra” e é projectada no modo como os materiais regionais se empregam e satisfazem as necessidades do momento.
O profundo estudo visual intercalado com o bibliográfico, permite-nos hoje identificar com maior clareza tipos e sistemas construtivos vernaculares que serviram como ponto de partida para o panorama actual da construção.


Bibliografia consultada

  • Almeida, Carlos de - Portugal arquitectura e sociedade, Ed. terra livre, Lisboa 1978
  • Aguilar ,José - Carrazeda de Anciães e seu termo, Esboço e subsídios para uma monografia, Colecção Silva Pereira, 1980
  • Caamaño Suarez, Manuel - A casa popular, museo do pobo galego fundacion caixa Galicia, 1997
  • Oliveira, Ernesto Veiga e Galhano, Fernando - Arquitectura tradicional portuguesa, Publicações D. Quixote, 1992
  • Lino, Raul -casas portuguesas (alguns apontamentos sobre o arquitectar das casas simples), Ed. cotovia, 1992
  • Ferreira, Cândida Florinda -Carrazeda de Ansiães (notas monográficas) col. Silva Pereira
  • Moutinho, Mário - A arquitectura popular portuguesa Ed. estampa, lisboa1979
  • Arquitectura popular em Portugal, associação arquitectos portugueses
  • ESPIGUEIRO - Central de Informações Regionais.htm




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